Nove anos se passaram desde que Stranger Things estreou na Netflix e redefiniu o conceito de entretenimento serializado para o público global. Desde então, os irmãos Duffer transformaram uma pequena história sobre crianças enfrentando o sobrenatural em um dos maiores fenômenos culturais do século XXI. As reclamações sobre a longa espera por novos episódios são inevitáveis (e compreensíveis), mas bastam alguns minutos dessa primeira parte da quinta temporada para lembrar exatamente por que essa série é tão amada e por que valeu a pena esperar.
A nova leva de episódios é uma recapitulação épica do que a série construiu até aqui e uma preparação para o confronto final. O mundo invertido sangra sobre Hawkins, agora transformada em uma zona militarizada, com cercas, patrulhas e uma população aprisionada entre o medo e a desinformação. A maioria dos moradores não faz ideia da dimensão do que acontece, enquanto nossos heróis operam nas sombras, tentando descobrir o paradeiro de Vecna e encontrar uma forma definitiva de destruí-lo.
E sim, a estrutura clássica de dividir o grupo em frentes distintas que se reencontram no clímax está de volta. Essa marca registrada dos Duffer poderia soar repetitiva, mas aqui ganha nova energia graças à confiança entre o elenco, lapidada ao longo de quase uma década. O resultado é uma dinâmica de grupo que parece orgânica, natural, quase familiar. Poucas séries conseguiram criar um elenco tão funcional, onde cada personagem, mesmo o mais secundário, parece essencial. Erica, Murray, a Sra. Wheeler e até a pequena Holly ganham seus momentos, reforçando a sensação de que Hawkins é uma comunidade viva, onde todo mundo importa.
E entre todos esses personagens, Will (Noah Schnapp) ressurge como o verdadeiro coração do Volume 1. Sua ligação com o mundo invertido e, sobretudo, com Vecna, finalmente é colocada em primeiro plano, em uma trama que mistura medo, amadurecimento e autoaceitação. Além disso, a sua nova parceria com Robin (Maya Hawke) é um dos pontos altos da temporada, dando aos dois personagens espaço para compartilhar segredos, angústias e um tipo de intimidade raramente vista em séries de gênero.
Já a adição de Linda Hamilton como a Dra. Kay, uma figura enigmática ligada ao aparato militar que monitora o mundo invertido, traz uma nova energia à trama e uma camada de autoridade ameaçadora que lembra os thrillers políticos dos anos 1980. Ela é uma presença magnética e misteriosa, e sua introdução promete impacto nas próximas partes.
Mas o destaque dramático é Dustin (Gaten Matarazzo). Antes o alívio cômico da série, ele agora carrega a dor da perda de Eddie como uma sombra constante. Ver o personagem lidar com o luto e com a injustiça de ver seu amigo ser lembrado como vilão é devastador. Matarazzo entrega uma atuação comovente, que transforma sua dor em motor emocional para toda a narrativa.
Nesse ponto, os Duffer acertam ao não restringir o conflito apenas à batalha entre o bem e o mal. Todos os personagens enfrentam dilemas pessoais, amores não resolvidos, traumas ou ressentimentos que ressoam tanto quanto as ameaças sobrenaturais. Essa habilidade de equilibrar grande espetáculo com drama humano genuíno continua sendo o segredo do sucesso de Stranger Things.
Do ponto de vista técnico, a série atinge um novo patamar de excelência cinematográfica. Os efeitos visuais, a fotografia e o design de som são dignos de qualquer blockbuster. Cada episódio é tratado como um filme, com uma escala que poucos estúdios de Hollywood conseguem igualar, mas tudo isso sem perder a emoção intimista que define a essência de Stranger Things. Os irmãos Duffer sabem como transformar nostalgia em linguagem, e o resultado é um espetáculo visual e emocional em igual medida.
É verdade que a série continua fiel à sua fórmula: piadas entre amigos, referências à cultura pop dos anos 80, Hopper (David Harbour) perdendo a paciência, Joyce (Winona Ryder) se preocupando com os filhos, Nancy ainda em um triângulo amoroso interminável. Mas há conforto nisso. Stranger Things, em sua quinta e última temporada, está funcionando como uma máquina perfeitamente calibrada.
E quando chega ao final de sua primeira parte, a temporada atinge níveis de ambição cinematográfica impressionantes. O episódio derradeiro termina com uma tensão quase insuportável e uma sensação de grandiosidade raramente vista na televisão. É um encerramento tão poderoso que torna quase cruel a espera pela continuação. Mas também é a prova de que Stranger Things ainda sabe capturar o impossível: o sentimento de assistir algo realmente mágico, em uma tela que parece muito pequena para conter tudo o que ela se tornou.
Há algo de curioso em ver Edgar Wright, um dos diretores mais inventivos de sua geração, à frente de uma nova adaptação de O Sobrevivente (The Running Man), romance de Stephen King publicado sob o pseudônimo Richard Bachman. Depois da versão de 1987, estrelada por Arnold Schwarzenegger, que transformava o texto original em um espetáculo de ação puro e simples, esta nova leitura tenta equilibrar a adrenalina com uma crítica social mais fiel ao espírito do livro. O resultado, porém, é um filme dividido: empolgante como entretenimento, mas hesitante como comentário político.
O protagonista, Ben Richards (Glen Powell), é um homem em desespero. Com a filha doente e sem dinheiro para pagar o tratamento, ele se vê forçado a participar de um reality show mortal em um futuro distópico, onde os pobres são caçados por esporte, e cada dia vivo rende uma fortuna. Richards não é um herói clássico: tem um temperamento explosivo, uma raiva contida contra um sistema que o oprime, e um senso de dignidade que se recusa a ser comprado. Seu antagonista é o produtor do programa, interpretado por Josh Brolin, um homem encantado pela crueldade do espetáculo e pela promessa de poder que ele representa.
A nova versão, mais fiel ao livro, devolve ao personagem algo que o filme de 1987 havia perdido, a humanidade frágil e irônica de um homem comum lançado em uma arena de horrores televisivos. Powell é um acerto, interpretando um personagem carismático, mas não imortal. Seu corpo é vulnerável e sua fúria é palpável. Embora roteiro até exagere em seus esforços para torná-lo simpático, empilhando diversas boas ações em sua conta nos primeiros minutos, a performance do ator mantém o personagem crível. Ele é o rosto da impotência em um país tomado pela desigualdade e pela manipulação midiática.
E o futuro imaginado por Wright não parece tão distante assim. Nas ruas tomadas por paramilitares mascarados, nos cidadãos denunciando uns aos outros com seus celulares, e nas falsificações digitais que reescrevem a verdade diante dos olhos do público, o filme acerta um ponto sensível: a distopia já começou. Diversos momentos da produção são incômodos pelo tanto que se confundem com a nossa realidade, onde a violência virou espetáculo e a mentira, entretenimento.
Como cineasta, Wright demonstra mais uma vez domínio absoluto da ação. As perseguições são claras, dinâmicas e propulsivas, montadas com a precisão rítmica que já é sua marca. A trilha sonora, composta pelo colaborador de longa data do diretor, Steven Price, mescla batidas potentes com temas orquestrais, impulsionando o filme como um motor em constante aceleração. É impossível negar o prazer visceral de acompanhar a coreografia dos combates e das fugas, conduzidos com uma energia que raramente se vê em blockbusters contemporâneos.
Mas o equilíbrio entre forma e conteúdo vacila. O Sobrevivente tenta constantemente falar de controle social, desigualdade e alienação midiática, mas o faz de modo superficial, como se sua própria grandiosidade de produção sabotasse o peso da crítica. O filme parece ciente de suas ideias, mas não interessado em explorá-las a fundo. Em comparação, RoboCop (1987), lançado no mesmo ano da adaptação anterior, continua sendo uma aula sobre ironia e subversão. Temas que aqui são tratados de forma literal, sem o humor perspicaz que costuma caracterizar Wright.
Há lampejos do diretor brilhante de Em Ritmo de Fuga, Scott Pilgrim e Chumbo Grosso, especialmente nas transições estilizadas e no uso expressivo da música. No entanto, a fluidez dos diálogos e o timing cômico que tornaram seu cinema tão distinto parecem diluídos. O filme é longo demais, e embora quase tudo funcione visualmente, a narrativa perde força nos momentos em que tenta parecer mais profunda do que realmente é.
Ainda assim, há méritos inegáveis. Wright entrega um espetáculo de ação vigoroso, com personalidade o suficiente para se destacar em meio à saturação de remakes e franquias. Glen Powell confirma seu status como um astro em ascensão, carregando o filme com energia e carisma. E Colman Domingo, como o extravagante, ameaçador e fascinante apresentador do programa, rouba cada cena em que aparece; uma mistura de showman e carrasco.
No fim, O Sobrevivente é um filme dividido, preso entre a vontade de divertir e a ambição de dizer algo importante. Como entretenimento, é ágil, estiloso e visualmente impecável. Como comentário social, é um esboço instigante, mas raso. Ainda assim, é difícil não se empolgar com o que Wright faz quando se entrega ao puro prazer do cinema.
Veja aqui tudo que é novidade nas telonas, a partir da análise de Vinícius Bastos.

