Chegando como o terceiro capítulo da trilogia de mistérios criada por Rian Johnson, “Vivo ou Morto – Um Mistério Knives Out” confirma que Benoit Blanc, o excêntrico detetive interpretado por Daniel Craig, já é um dos grandes investigadores da ficção contemporânea. Mais uma vez, Blanc surge cercado por um elenco afiadíssimo, colocado a serviço de um quebra-cabeça engenhoso, espirituoso e, desta vez, surpreendentemente mais sombrio.
A trama se inicia quando Jud, um ex-boxeador que abandonou uma vida de violência para se tornar padre, é enviado para uma pequena comunidade rural no interior do estado de Nova York. A igreja local é comandada pelo carismático e intimidador Monsenhor Wicks, uma figura imponente cuja fé se manifesta em sermões inflamados e discursos extremos. Durante a Sexta-feira Santa, um corpo aparece dentro da igreja em circunstâncias aparentemente impossíveis, o tipo de crime que inevitavelmente chama a atenção de Benoit Blanc.
Apesar do tom mais soturno em relação aos filmes anteriores, o longa nunca abandona o humor que já virou marca registrada da franquia. A comunidade religiosa que serve de cenário para o mistério é calorosa e venenosa na mesma medida: um espaço perfeito para intrigas, segredos e julgamentos silenciosos. O filme encontra aí um terreno riquíssimo para discutir religião. Não de forma panfletária, mas questionando o que as pessoas buscam na fé, o conforto que ela oferece e as mentiras convenientes que, às vezes, são contadas em nome de algo maior.
Grande parte do interesse da narrativa está ancorada no personagem de Jud, interpretado de forma magnífica por Josh O’Connor. O filme se dedica a investigar seu passado e, em paralelo, a história dos fiéis daquela igreja, todos de alguma forma orbitando a influência de Monsenhor Wicks, vivido por Josh Brolin com uma energia quase bíblica. Seu pregador “fogo e enxofre”, que parece saído de um épico antigo, é uma figura que demonstra com clareza como discursos extremistas podem moldar e radicalizar uma comunidade inteira.
Como todo bom filme de mistério, quanto menos se sabe sobre a trama, melhor. Basta dizer que Johnson brinca com o conceito clássico do “mistério de quarto fechado”, aquele crime que acontece de uma maneira aparentemente impossível, desafiando lógica, fé e razão ao mesmo tempo. As revelações surgem com precisão cirúrgica, recompensando o espectador atento sem jamais tratá-lo como ingênuo.
Desta vez, Benoit Blanc atua um pouco mais à margem do centro narrativo. O foco recai sobre Jud, o que se revela uma escolha acertada. O’Connor constrói um padre genuinamente acolhedor, alguém que você gostaria de encontrar em uma paróquia real, que escuta mais do que julga e que oferece conforto sem impor culpa. A dinâmica entre ele e Blanc tem algo de filme de dupla improvável, e a química entre O’Connor e Craig torna cada cena compartilhada um prazer absoluto de assistir.
O elenco de apoio segue impecável. Glenn Close se destaca como uma fiel devotíssima, disposta a qualquer sacrifício em nome da igreja e das palavras de Wicks, representando com força a fé cega que sustenta estruturas perigosas. Como nos filmes anteriores, cada personagem parece carregar um mundo próprio, mesmo quando ocupa pouco tempo de tela.
Rian Johnson mais uma vez constrói seu mistério a partir do espaço onde ele acontece. Se Entre Facas e Segredos explorava o conflito de classes em uma mansão e Glass Onion satirizava bilionários em uma ilha mediterrânea, Vivo ou Morto encontra na igreja um ambiente carregado de simbolismo, onde convivem devoção, crime, culpa e silêncio. É ali que o diretor equilibra com precisão sua ironia característica e uma sinceridade inesperada.
Tecnicamente, o filme é deslumbrante. A fotografia faz uso belíssimo da luz natural atravessando os vitrais da igreja, criando jogos de sombra que refletem os estados emocionais dos personagens. Em certos momentos, a escuridão domina a cena; em outros, o sol retorna como um sinal quase espiritual, acompanhando discursos mais esperançosos. A abordagem da fé é direta, mas cuidadosa, permitindo que tanto crentes quanto céticos encontrem algo com que se identificar.
Nem tudo é perfeito. Assim como nos outros filmes da franquia, o carinho de Johnson por seus personagens às vezes faz o ritmo vacilar. Com tantos suspeitos e histórias paralelas, o filme ocasionalmente parece se alongar mais do que o necessário. Ainda assim, mesmo em seus momentos mais dispersos, Vivo ou Morto permanece inteligente, divertido e visualmente inspirado, sendo talvez o capítulo mais bonito da trilogia até agora.
No fim das contas, trata-se de um mistério envolvente, daqueles perfeitos para assistir com atenção redobrada. Mais do que resolver um crime, o filme levanta perguntas sobre fé, narrativa e poder, sem nunca perder o prazer do jogo.
Eu assistiria facilmente mais dez filmes dessa franquia. Que Rian Johnson continue explorando esse universo, porque poucos cineastas hoje entendem tão bem as engrenagens do mistério e, principalmente, o quanto ele pode ser simplesmente delicioso de acompanhar.
Depois do sucesso comercial do primeiro filme, a Blumhouse retorna ao mundo de Freddy Fazbear com Five Nights at Freddy’s 2, um projeto que busca corrigir os erros do passado, mas que continua preso às mesmas limitações. Desta vez, o criador da franquia, Scott Cawthon, assume sozinho o roteiro, uma escolha que deixa claro o direcionamento da sequência: uma produção pensada quase exclusivamente para os fãs dos jogos, feita com paixão, mas pouca disposição para abrir suas portas ao público em geral.
A história retoma a vida de Mike (Josh Hutcherson), o ex-segurança traumatizado pelo massacre sobrenatural do primeiro longa. Ele tenta seguir em frente enquanto cria sua irmã mais nova, Abby, que continua estranhamente apegada aos seus “amigos” animatrônicos. Quando ela recebe uma misteriosa mensagem pedindo ajuda, Abby decide ir até outro restaurante Freddy Fazbear, o original, onde o horror começou. Lá, claro, o pesadelo recomeça. O elenco traz ainda Wayne Knight, ótimo como um professor que parece o único ator consciente do tipo de filme em que está, e Skeet Ulrich, como um pai enlutado que surge mais como uma peça solta na trama.
A boa notícia é que o filme é menos arrastado que o anterior. Se o primeiro Five Nights at Freddy’s demorava dois terços de sua duração para engrenar, este leva “apenas” metade do filme para sair do lugar. Além disso, o aumento de orçamento é visível: os animatrônicos estão mais impressionantes, o design de produção é mais caprichado e há uma ou outra sequência realmente divertida, que dá uma amostra do potencial desse conceito quando bem explorado. Em alguns momentos, o filme até ameaça se tornar divertido, especialmente quando abraça o absurdo e o humor involuntário da própria proposta.
Mas, infelizmente, as melhorias param por aí. Assim como o original, Five Nights at Freddy’s 2 não é assustador. Ao menos não no sentido que o gênero exige. Há alguns jump scares previsíveis, mas nada que provoque genuína tensão ou medo. O novo vilão, uma marionete sinistra em busca de vingança, é visualmente interessante, mas o roteiro raramente a utiliza de forma eficaz.
E por falar em roteiro, ele continua sendo o ponto mais problemático. Personagens são apresentados com pompa apenas para desaparecerem por longos trechos, retornando no final como se fossem peças centrais da narrativa. A lógica interna do filme se desfaz em vários momentos e, sim, é possível dizer isso mesmo em uma história sobre robôs assassinos de pizzaria. O problema não é a fantasia, mas a falta de coesão narrativa: o filme parece mais preocupado em incluir referências à mitologia dos jogos do que em criar uma trama envolvente para quem nunca ouviu falar deles.
O resultado é um filme que, embora mais coeso e visualmente refinado, ainda peca por ser exclusivo demais. Ele se contenta em agradar a base de fãs, esquecendo que o cinema deveria expandir universos, não reduzi-los. Para quem já conhece e ama os jogos, é uma sequência mais empolgante; para o resto do público, é um produto curioso, mas cansativo, que desperdiça a chance de se tornar um verdadeiro sucesso de terror para todos.
Ainda assim, há um progresso inegável: Five Nights at Freddy’s 2 é mais coeso, mais direto e mais bem estruturado que o primeiro. Há ritmo, há energia e até lampejos de algo maior, especialmente nas sequências que se aproximam do estilo slasher, com toques de humor macabro. É uma melhoria, sem dúvida, mas também a prova de que a franquia segue sem saber se quer ser um filme de terror acessível ou apenas um presente para quem já conhece cada detalhe do universo Freddy Fazbear.
No fim, o saldo é o mesmo do original: divertido em partes, mas incapaz de assustar, emocionar ou realmente surpreender. A diferença é que agora dá para entender, ao menos por um instante, por que tanta gente continua voltando para brincar com esses monstros mecânicos.
Veja aqui tudo que é novidade nas telonas, a partir da análise de Vinícius Bastos.

